Manuel,
homem dedicado à família e ao trabalho, aos domingos deixava a
fazenda bem cedo, com a mulher e o filho, para chegar à igreja da
vila antes do início da missa. Não se esquecia da advertência do
padre Onofre: “Às dez horas começa a Santa Missa, caros irmãos,
com a pontualidade que deve ser respeitada”.
Embora
fosse homem de poucas rezas, Manuel apreciava os sermões breves do
padre Onofre. Diante dele, não se sentia pecador por não dedicar
mais tempo à igreja. Mas não se esquecia do que sempre dizia, do
púlpito: “A qualquer momento, podemos ser chamados para prestar
contas ao Senhor”.
Era
um domingo, Manuel dirigia o carro com desatenção, lembrando-se do
filho de cinco anos, que perdeu. Nessas viagens, que faziam para
assistirem à missa, sentia o frio de sua ausência. Desviava os
olhos da estrada, às vezes, para olhar sua mulher. Vi-a triste, por
não se conformar com a morte do menino.
No
vilarejo, algumas pessoas perguntavam ao padre Onofre qual fora o
motivo da morte do menino. Para acabar com a curiosidade, o padre
resolveu fazer a pergunta ao Manuel. No dia e na hora marcada Manuel
entrou na sacristia, onde o padre esperava por ele. Curvou-se para
beijar o anel na mão do padre Onofre.
–
Padre,
eu poderia ter evitado a morte do meu filho.
–
Estou
aqui para ouvi-lo, Manuel.
–
Como
o senhor sabe, meu filho era uma criança dócil. Era um anjo, como
dizia a mãe.
O
homem contou ao padre que, quando seu filho tinha pouco mais de
quatro anos encantou-se com o arvoredo; falou da preferência do
menino por quatro árvores, muito grandes, entre outras tantas, que
cobriam uma parte do terreno da sua fazenda. “As quatro árvores
tinham nomes, que foram dados por meu filho”, disse Manuel.
–
Fale
mais sobre o menino – pediu-lhe o padre.
–
Cerquei
essa parte da fazenda, como a mulher havia pedido.
–
Não
se acanhe, prossiga.
Um
tanto nervoso, Manuel explicou que foi sua intenção ampliar os
estábulos da fazenda, e que, para isso, teria que limpar o terreno
com o corte das árvores. Disse-lhe que havia falado à mulher sobre
esses planos, e que ela se opôs com energia: “Não faça isso,
essas árvores são os amiguinhos do nosso filho, homem”.
–
Continue
– pediu-lhe padre Onofre.
Manuel
contou ao padre Onofre que não quis ouvir a mulher, e que certo dia
mandou o menino para a casa de uma tia, na cidade, para que ele não
visse o corte das árvores. “Padre, quando o menino voltou para
casa, correu ao encontro de suas árvores e encontrou apenas os tocos
delas, muitos tocos” – disse, com esforço.
–
Quando
meu filho viu os tocos das suas árvores, padre, passou a gritar como
se estivesse louco.
–
Prossiga,
Manuel.
–
Depois
o menino abraçou um dos troncos, repetindo os nomes das suas árvores
favoritas.
–
Continue
– disse padre Onofre.
–
Após
esse dia, padre, o menino não comeu mais. A mãe pedia que comesse
alguma coisa, mas ele se recusava. Chamei um médico, ele receitou
alguns remédios, mas o menino não tomou.
Condoído
pelo estado de espírito de Manuel, que tinha os olhos marejados,
muito nervoso, tremendo algumas vezes, padre Onofre levantou-se e
colocou a mão sobre o ombro do homem, para confortá-lo. Esperou um
pouco, depois pediu a ele para continuar.
–
Faz
mais de um ano que perdemos nosso filho, padre Onofre – concluiu
Manuel.
No
meio da tarde, o homem despediu-se do padre Onofre. Na estrada, que
cortava em duas partes o campo amplo à sua frente, Manuel levava
consigo o mesmo sentimento de culpa. Talvez a ação do sol forte
sobre o para-brisa do carro tivesse lhe dado à impressão de que seu
filho o acompanhava, correndo sobre o asfalto.
Quando
Manuel chegou em casa, sua mulher esperava-o ansiosa, querendo saber
o que a conversa com o padre Onofre poderia acrescentar na vida do
casal. Mantinha a esperança de que o padre tivesse iluminado o
marido. A pressão no peito foi o sinal de que alguma coisa estava
por acontecer, para aliviar a dor e a saudade.
–
Mulher,
amanhã nós vamos começar a plantar muitas árvores; vamos refazer
o arvoredo do nosso filho – disse Manuel, com firmeza.
As
muitas árvores, que foram plantadas, cresceram robustas, criando um
colar verde em torno da casa. Os passarinhos ali construíram os seus
ninhos. Manuel e a mulher envelheceram. Em frente ao arvoredo eles
sentiam a presença viva do filho, e, às vezes, o viam correr
risonho por entre as árvores, como sempre fazia.